Pérolas
No dia em que o tão bom anfitrião completa anos,
os velhos circunstantes, as senhoras e os senhores,
crendo-se dignos da alta nata dos salões mundanos
— néscios de tudo quanto se passou nos bastidores —,
vêem, como às mais raras pérolas dos oceanos,
as palavras de um servo: iguais às de anos anteriores.
Sentem-se bravos príncipes, simpáticas princesas,
e o banquete progride, após as libações e as palmas,
e se servem de queijos, carnes, sopas, sobremesas,
e as mãos afoitas se submetem às cabeças calmas,
e se amontoam crânios embriagados sobre as mesas,
incapazes de frear seus corpos, de lavar suas almas.
“Quando o tão bom anfitrião se for”, comenta o coro,
“a empolgação será escassa, menos festiva a vida:
por que estaremos nós aqui, neste solar do choro?”,
até que o servo, audaz, retira a fala proferida,
com tal sem-cerimônia e doce quebra de decoro,
que revela a verdade nua e crua a ser comida.
Mas, pasmos, os convivas não digerem bem o fato
— eles que são gente de bem, pessoas muito boas! —,
zombam das mais recentes pérolas do servo ingrato,
do servo que entoava as sempre mesmas, falsas loas,
e, mudado, redige este verídico relato:
indigesto ao estômago de tão boas pessoas?
Faz-se cinza prisão o salão nobre do castelo;
os convivas, domados por seu compromisso chão,
começam a esboçar, aristocrático e amarelo,
um sorriso de nojo — uma expressão sincera não… —
e, ralhando com o servo, então se põem a combatê-lo,
em defesa da honra do tão bom anfitrião,
pior carrasco, agora, desse servo que desdenha,
desse insubordinado servo, tão familiar,
que ao lhe subtrair a filha, preciosa e prenha,
resguarda as netas que o avô quisera assassinar:
arromba as sete portas e, cruzando a obscura brenha,
liberta noiva e prole do paterno lupanar.
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